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Foto do escritorJosiane Bernine

Tranças afro como ferramenta de resgate na cultura negra do país

Atualizado: 14 de jul. de 2023


Entrevista com Bia Martins, transcista e primeira mulher negra do interior a ter seus trabalhos expostos e aprovados na Feira Preta, maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina.

Matéria por Josiane Bernine As tranças afro, nagô, angolas, box braids ou kanekalon, twist ou tornado são todas típicas da cultura africana, e em si carregam histórias, cultura e diversos significados. Na cultura africana podia ser utilizada para simbolizar classe social, estado civil, características femininas e até mesmo a religião em reinos africanos. Por meio das tranças os negros escravizados conseguiam identificar a qual etnia cada um deles pertencia e elas eram utilizadas também para desenhar mapas que ajudassem nas fugas dos escravos. As tranças foram utilizadas nas manifestações políticas como a marcha dos direitos civis nos E.U.A., o movimento Black Power e no partido dos Pantera Negra. Com todo o contexto cultural e histórico que implica o uso das tranças, é evidente que elas vão muito além da vaidade ou popularidade que tem alcançado nos últimos tempos. Em entrevista com Bia Martins, trancista de relevância social para nossa cidade, representatividade negra também na área política, artesã, artista plástica, confeccionista, muralista e grafiteira, podemos falar sobre seu trabalho nos últimos anos e sobre a cultura preta no nosso país.


Entrevista


Bia Martins começou seu trabalho como trancista cedo, foi influenciada pela mãe que também trabalhava no ramo. Quando sua mãe parou, Bia descobriu ter as mesmas habilidades de trancista. De tanto a observar, Bia conseguiu ainda criança fazer as tranças afro treinando em sua boneca e depois em si mesma. Entre 11 e 12 anos ela começou a fazer as tranças nagô no cabelo dos colegas. Bia já havia pegado prática e concluiu logo que “se consigo trançar o meu, posso trançar qualquer cabelo”. Inicialmente, jovem e sem interesse em dinheiro, Bia fazia o trabalho em troca de coisas que gostava, cds de Rappers famosos, black music e roupas esportivas.


Engajada atualmente também em causas políticas ela acredita que a representatividade de mulheres e principalmente mulheres negras seja de extrema importância, “muda um pouco este contexto velho. Mulher além de detalhistas são mais atentas e isso empodera e impõe respeito diante do poder. Antes a mulher negra só era vista como empregada doméstica, mas hoje pode mostrar para sociedade que não é assim que as coisas devem funcionar pra que hajam mudanças na velha política.”

Para Bia a trança não é só como uma ferramenta do resgate da cultura negra, trata-se de parte da identidade negra. “Os pretos e as pretas se tornam uma referência para outros, que são oprimidos pelo sistema, o preto pra ter uma boa influência e um bom emprego ele precisa ter o cabelo alisado ou cortado, ‘as tranças representam um povo preto bandido’ assim foi e é hoje nos dias atuais, nas vivência vejo que tem mudado muitas coisas mas ainda existem essas ideologias mentirosas, que iludem o povo capaz de tirar até a auto estima de muitos e levando até uma possível depressão.”

As tranças tem-se popularizado nos últimos anos e com a mídia, tem sido tratado como produto unicamente derivado da vaidade e da estética, alguns defendem que quando uma pessoa branca adapta-se das tranças afro é um ato de liberdade de expressão, e a contraponto, outras definem esta atitude como uma apropriação cultural, uma vez que as tranças carregam toda a carga do seu contexto histórico e social. Perguntamos a Bia, como tracista, sua opinião a respeito do tema.

“Eu como preta, fico triste porque um preto não consegue aceitar e uma branca adere. Agora quanto ao meu lado profissional de trancista, faça quem queira, quem se sinta bem, é o meu trabalho, não seria ignorante ao ponto de dizer ‘não vou fazer porque você é branca”. Mas ressalta “Óbvio que nada melhor seria que todo o povo preto se aceitando, mantendo a nossa cultura seja lá o que a sociedade ainda impõe, mas infelizmente o medo ainda existe, portanto, façam o que se sintam bem, eu mesma mantenho tudo desde os acessórios, cabelos e costumes e histórias. Como costureira, artesã, trancista e artista plástica, todas essas profissões são voltadas a cultura afro. Então aproveito tudo da melhor forma possível pra que a cultura afro seja bem representada e vire referência por todo lugar.

Festival Feira preta

Maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina.

(foto de divulgação do site oficial http://feirapreta.com.br/event/feira-preta)

Lendo a revita Raça - publicada pela editora Arte e Publicações, conceituada no Brasil com conteúdos exclusivamente voltados a cultura afro -, Bia despertou o sonho de participar do festival Feira Preta que reúne empreendedores negros para mostrarem sua criatividade na moda, música, gastronomia, audiovisual, design, tecnologias e outros. Depois de anos do início deste sonho, Bia conseguiu ser aprovada em 2015 e até hoje expõe seu trabalho na feira, sendo a primeira negra do interior a participar do evento com suas confecções.

A feira ocorre sempre nos dias 07 e 08 de Dezembro, no memorial da América Latina, região central de São Paulo. Adriana Barbosa, a fundadora da feira, está entre as 100 mulheres negras mais influentes do mundo, mesma lista onde se encontram nomes como Taís Araujo e Beyoncé.


O ateliê Bia Martins fica na rua Moara Sacramento Amaro, 233.

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